Ferramenta gratuita para acelerar a descoberta de genes específicos em animais peçonhentos e impulsionar a busca por moléculas terapêuticas.
A identificação de genes que se produzem em genomas complexos sempre foi um grande desafio no campo da toxicologia. Pesquisadores do Instituto Butantan projetam uma ferramenta por certo inovadora que utiliza inteligência artificial para localizar automaticamente esses genes em sequências genéticas. Esse software, chamado ToxCodAn-Genome, está disponível gratuitamente no GitHub e facilita portanto a identificação rápida de componentes de venenos, beneficiando assim pesquisas biomédicas e estudos evolutivos.
Validado em um estudo publicado na revista GigaScience, o ToxCodAn-Genome foi criado por Pedro Nachtigall durante seu pós-doutorado no Instituto Butantan, sob a orientação de Inácio Junqueira, diretor do Laboratório de Toxinologia Aplicada (LETA). Atualmente, Pedro é pesquisador na Universidade de Oslo, na Noruega.
A eficácia da ferramenta foi testada com dados genômicos de diversos animais, incluindo por exemplo serpentes, escorpiões e arraias. Um estudo de caso significativo foi o sequenciamento do genoma completo da urutu-cruzeiro, uma das principais serpentes venenosas do Brasil. A análise das glândulas de veneno permitiu assim a comparação dos genes de toxinas, confirmando a precisão do software.
“Os genes de toxinas geralmente se duplicam. A ferramenta usa esse padrão de duplicação, juntamente com outras características, para identificar regiões de interesse e distinguir toxinas de outros genes,” explica Pedro Nachtigall.
Apesar das tecnologias avançadas de sequenciamento de DNA e RNA, faltava uma ferramenta robusta para anotar genes de toxinas. Anteriormente, o grupo havia criado o ToxCodAn para identificar toxinas no transcriptoma. Agora, o ToxCodAn-Genome realiza a mesma tarefa em genomas completos.
A bioinformática permite concluir em poucas horas um trabalho que antes levava semanas. “Antes, identificar genes de toxinas era como ler um livro inteiro e marcar cada toxina manualmente. Com a crescente quantidade de dados, ferramentas automatizadas de bioinformática são essenciais,” diz Inácio Junqueira. “Desenvolvemos softwares que fornecem anotações mais confiáveis, rápidas e eficientes,” acrescenta Pedro.
Uma vantagem importante do ToxCodAn-Genome é a eliminação da necessidade de extração de veneno dos animais para identificar toxinas. Usando dados genômicos obtidos de amostras de sangue ou tecido, é possível realizar a identificação. Sequenciamentos disponíveis em bases de dados públicas também permitem que laboratórios sem especialização em extração de veneno realizem análises semelhantes.
O Laboratório de Toxinologia Aplicada do Butantan tem utilizado técnicas de bioinformática para estudar toxinas há cerca de cinco anos. O laboratório lançou o MITGARD, seu primeiro software, em 2021, e ele automatiza a montagem do DNA mitocondrial a partir de sequências de RNA ou DNA.
“As mitocôndrias possuem seu próprio DNA, distinto do nuclear, e são fundamentais em estudos evolutivos. Desenvolvemos uma maneira de usar dados transcriptômicos ou genômicos de qualquer tecido para encontrar o genoma mitocondrial de forma mais rápida e precisa,” explica Pedro Nachtigall.
Potencial Terapêutico dos Venenos
A pesquisa em toxinologia no Butantan também busca moléculas com atividades anti-inflamatórias, analgésicas ou antitumorais para o desenvolvimento de novos medicamentos. Um exemplo é a crotoxina, uma proteína do veneno da cascavel, estudada há 20 anos e que demonstrou ação antitumoral em testes em animais.
“O medicamento Captopril, amplamente utilizado para tratar hipertensão, foi desenvolvido a partir de uma proteína encontrada no veneno da jararaca. Facilitar a identificação de toxinas pode, portanto, acelerar a pesquisa de novos biofármacos no futuro”, conclui Pedro.